Cem dias de pandemia: qual o aprendizado, neste período, para a gestão hospitalar?
Por Risvaldo Varjão, diretor médico da Liga Álvaro Bahia Contra a Mortalidade Infantil
Passados cem dias desde que a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a pandemia causada pela disseminação do novo corona vírus (Sars Cov-2) em todo o mundo, causando a COVID 19, a vida não foi mais a mesma: instituições de ensino, templos religiosos, empresas em geral, tudo de repente teve que se fechar para que se tentasse barrar o avanço rápido da doença. Entretanto, com tudo isso, os hospitais não podiam baixar as portas e apagar as luzes! Mais uma vez fomos convocados a travar uma guerra contra um inimigo invisível. E o que aprendemos nestes cem dias?
Lição 1: Tecnologia e Virtualização da Saúde
A primeira lição que gostaria de abordar é a capacidade de se reinventar em tempo recorde, nunca antes visto. Assistimos uma queda livre de 80% da nossa demanda nos pronto-atendimentos pediátricos, mas será que as crianças não estão mais ficando doentes? Sabemos que o distanciamento social diminuiu a incidência de traumas e disseminação dos vírus já conhecidos e habituais, mas só restou apenas 20% das urgências e emergências? Certamente não! As crianças estão adoecendo em casa e seus familiares tem avaliado ser melhor não ir aos serviços de saúde para não exporem seus filhos e também não se exporem ao novo vírus que parou o mundo. Isto tem agravado a condição de saúde de muitas crianças, assim como de adultos, e retardado diagnósticos onde tempo é vida (oncológicos, por exemplo). Mas, nesta constatação, também podemos observar um ponto de disrupção ocasionado por algo que já se discutia há muito tempo – o uso da tecnologia para diminuir distâncias e ampliar o acesso aos serviços de saúde.
Com o decreto de permissão do uso de algumas modalidades de Telemedicina no país, essa prática apresentou uma rápida e grande expansão na prática médica diária. Toda resistência dos profissionais médicos teve que ser despida e transformada. Dia a dia os profissionais vão anunciando a disponibilização da prática de teleorientações, telemonitoramento e teleconsultas em seus canais de comunicação. Grandes empresas já têm 20% de sua demanda neste momento de crise proveniente deste método. As grandes operadoras de planos de saúde, que a cada dia investem mais em verticalização dos serviços, têm disponibilizado aos seus clientes diversos produtos via Telemedicina. É pouco provável que o uso desta prática seja abandonada no pós-pandemia, bem como sua regulação seja suspensa.
Ainda no campo da tecnologia, o que dizer da maciça disseminação do conhecimento globalizado através dos simpósios, seminários, congressos e bate-papos pela web que tem conectado pessoas do mundo todo de maneira muito mais assídua e com grande adesão. Não, não é algo novo! Mas também temos uma nova disrupção, pois as pessoas foram “obrigadas” a testar este modelo de transmissão do conhecimento e a aceitação tem sido excelente!
Nesta mesma linha, temos visto, cada dia mais, grandes empresas fechando escritórios presenciais e aderindo de forma definitiva ao famoso “home-office”. Nos hospitais, temos visto que a parte administrativa pode muito bem trabalhar neste modelo, com boa produtividade e segurança dos colaboradores. Setores como de contabilidade, financeiro, telemarketing, dentre outros operam suas atividades totalmente de maneira remota. E isto traz impacto direto no caixa das empresas. É menos energia elétrica, materiais de higiene e limpeza utilizados. Além da não necessidade de pagamento de vale transporte.
A invasão da tecnologia na área da saúde neste momento foi apenas catalisada. A inteligência artificial já se faz presente há algum tempo, mas só agora houve uma democratização do uso das ferramentas de tecnologia entre os profissionais da saúde. Pacientes que antes viajavam 200, 300, 400 km em busca de um atendimento médico especializado, hoje, conseguem, de sua casa, ter o contato com o serviço de saúde que ele precisa com segurança e alta taxa de assertividade.
É… com tudo isso, a pandemia veio mostrar que boa parte das coisas pode ser mediada pela tecnologia, mesmo na área da saúde, onde o contato na relação profissional-paciente é tão fundamental e constitui o melhor indicador de entrega de valor. A pandemia nos mostrou que o que não se pode mediar pela tecnologia é o estar junto de quem estimamos, sentindo o calor de um abraço e a leveza do tocar e ser tocado.